O Avô e o Netinho

Retirado do livro: “HISTÓRIAS DA AVÓZINHA”
(Figueiredo Pimentel)

O avô e o netinho

Bastante velho já, fatigado por uma longa existência de trabalhos e canseiras,
exausto de forças e doente de velhice – porque a velhice é, também, uma doença –
estava tio Benedito, o bom e estimado velhote tio Benedito: oitenta anos pesavam-lhe às
costas, como um grande fardo que ele a custo carregasse.

Não podendo fazer serviço algum, alquebrado pela idade, veio morar em casa de
Augusto, seu filho mais moço, já com um filhinho de três para quatro anos, o pequenino
e interessante Luís, vivo e esperto como poucos.

Velho e enfermo, qual estava, tio Benedito como que volvera à primeira
infância; e, por isso, eram precisos inúmeros cuidados com ele, que mal se sustinha
sozinho, trêmulo, muito trêmulo, quase sem poder andar

Quando se sentava à mesa, para o almoço e para o jantar, derramava sopa na
toalha, quebrava pratos e copos, com as mãos fracas, como uma criança arteira e
estouvada.

Augusto, e sua mulher, Henriqueta, aturavam-no com dificuldade, zangados,
contrariados, aborrecidos principalmente com o prejuízo diário que o pai lhes dava.
Afinal, não podendo mais suportar o velho, resolveram comprar uma cuia; e às
horas das refeições sentavam-no no chão, perto da mesa dando-lhes a comida naquela
tosca vasilha.

Quando Luisinho, o pequenino, viu que o avô não se sentava mais à mesa, ficou
triste, mas não disse palavra. Estranhou aquilo porque a sua almazinha desabrochava
formosamente para o bem; e se não manifestou a sua impressão, foi por supor que assim
se fazia sempre com os velhinhos, que não se sentavam à mesa, nem comiam em pratos,
como os outros.

O pequeno Luís era o único que verdadeiramente estimava o ancião, próximos
entre si aquela primavera e aquele inverno, aquela criança e aquele velho, ambos na
infância, ambos no crepúsculo da vida.

Dias depois, Augusto e Henriqueta viram o filho entretido a brincar com alguns
pedaços de tábuas, um martelo e pregos, como não tinha por costume fazer.
A mãe, estranhando aquilo, perguntou:
– Que estás fazendo aí, Luisinho?
– Estou fazendo um prato, para dar de comer a papai e mamãe, quando eu for
grande, e eles já estiverem velhinhos como vovô, respondeu ingenuamente a criança.

Henriqueta e Augusto entreolharam-se confusos, vexados e arrependidos da sua
ingratidão, e de novo trouxeram o pai para se sentar à mesa, em sua companhia.
Desde então, trataram-no com todo o respeito, o desvelo e a consideração que os
filhos devem aos pais.