A Chave de Mariane

Era de manhã quando Mariane saiu e como é de costume ela só voltaria mais tarde.

A casa de Mariane fica em um prédio bem alto e é dessas que tem um tapetinho na porta, o qual não serve nem para limpar os pés porque ele é bem branquinho e nem para dizer bem-vindo para as visitas: primeiro porque não tem nada escrito nele e segundo porque mesmo se tivesse, nunca ninguém vai visitar Mariane.

Além do mais, na casa de Mariane, ainda existe a regra de tirar o sapato antes de pisar no tapete. Sendo assim, o capacho de lá só existe ali para esconder uma chave reserva da casa, porque Mariane é muito esquecida e vive perdendo ou esquecendo a sua chave.

– Eu já falei para ela usar um chaveiro, mas você acha que ela me escuta? É muito perigoso deixar a chave debaixo do tapetinho, mas Mariane não acha isso, porque quem acha sou eu. Ela fala que não tem problema e como é ela que manda eu só faço uma careta e jogo praga, daí a conversa termina assim. Mas eu sei que burra é a Mariane que nunca me escuta.

O tapetinho da casa de Mariane

Teve este dia que a Mariana saiu cedo e a chave ficou lá…

– Nesse dia em específico eu esqueci de resmungar por causa da chave, mas como eu vivo fazendo isto, não tenho me culpado tanto. Depois deste episódio, só preciso que a Mariane confira todos os dias se não tem mais chave de baixo do tapete, às vezes até umas 3 vezes por dia só para ter certeza, mas é porque é para a nossa segurança, ela fica brava mas tem me obedecido, ela que termina a conversa agora fazendo careta.

Era domingo, eu acho, a Mariane saiu e não muito importa onde ela foi, ela ficou umas seis horas fora e quando voltou, eu sei, pode parecer um absurdo, mas alguém tinha pegado a chave do capacho e entrado na casa. E o pior, Mariane não conhecia aquela muito bem aquela coisa…

– Só de algumas visitas inesperadas, porque nós três somos assim mesmo…

– Eu e Mariane entramos em casa e logo reparamos que algo de errado não estava certo. O sofá que é de puxar, estava puxado! E a gente sempre deixa ele encolhido. Tinha uns pratos sujos também fora da pia, o que ao meu ver é um absurdo! E o pior, a coisa tinha entrado de sapato e tudo. Para mim foi o fim, mas Mariane lidou um pouco melhor porque ela logo berrou:

– Vai embora, não tá vendo que é a gente que mora aqui.

– Isso mesmo, a gente que mora aqui, se manda – eu ajudei Mariane.

A coisa fez careta e resmungou algo.

– Credo agora você tem três anos de idade – berrou Mariane.

– É isso ai… Eu vou dividir a casa com vocês agora.

– Não vai mesmo Ah, não vai não!

– Vou sim, sabe por que? Porque eu tenho Chave. Eu achei e consegui entrar,então agora aqui é meu também.

– Viu Mariane você nunca me escuta, eu falei pra não deixar a chave ali.

– Fica quieto você também, preciso resolver isto.

Foi isto o que Mariane falou para mim ou pra ela, não entendi muito bem, mas eu respeitei né… A Mariane ficou quieta em um canto, muito brava e pensativa. Como eu não podia fazer nada, já que a casa é da Mariane e quem manda de verdade é ela, eu resolvi que eu podia tentar conservar com a coisa:

– Ei, você é muito sujão. Deveria ir embora, sujão, você nem serve pra morar em casa, o seu negócio é outro porque você não gosta de regra. Se você for ficar, vai ter que ser do nosso jeito, vai ter que deixar o sofá arrumado, louça no máximo na pia e vai ter sim que tirar o sapato pra entrar. A gente não quer sujeira em casa. E nem venha tentar mudar algo a Mariane é brava e não vai deixar.

– Blá blá blá blá blá. Blá blá blá blá – a coisa respondeu.

– Viu você é um pé no saco, por isso que não vai ficar.

Nessa hora a Mariane voltou e falou mais brava do que nunca, parecia até uma chaleira explodindo:

– Vai embora ou se não você vai ver só.

Eu não sei o que Mariane quis dizer com isso e acho que ela também não sabia, mas o que importa é que funcionou. A Coisa se assustou e foi embora, mas saiu jogando praga:

Olha lá vocês dois hein, no próximo sinal de descuido eu volto e tô nem aí, vou trazer sujeira tudo de novo.

Foi isso o que aconteceu e é por isso que estamos aqui. A gente não deixa mais a chave debaixo do tapetinho, mas estamos com muito medo que a coisa volte. Então colocamos mais um monte de regras pra dar certo e não nos depararmos mais com sujeira.

Agora, além de não poder mais ter chave debaixo do tapetinho, tem que varrer o chão todo dia, arrumar a cama ao acordar, tirar todos os eletrônicos na tomada, menos a geladeira porque se tirasse a comida ia estragar, tem também que conferir se todas as portas e janelas estão trancadas antes de dormir e ao se deitar na cama para dormir tem sempre que olhar se por um acaso a coisa não está lá em baixo.

Mas essas não são todas as regras, eu só parei de falar porque fiquei com vergonha. Você acha que a coisa vai voltar?

– Eu acho que ela continua lá.

– Como você diz isso? Ela não pode voltar. Viu Mariane eu falei que precisávamos de mais regras ainda. Você nunca me escuta.

– Mas desse jeito quem não vai conseguir viver em casa é a gente, seu burro.

– Burra é você.

De verdade, não é fácil viver com a Mariane, ainda mais logo depois que a coisa aparece. Ela fica insuportável. Eu não sei como é aí na casa de vocês, mas a gente anda meio cansado dessa coisa de coisa.

É muito ruim ficar assustado esperando que ela apareça, sem saber quando vai ser. A Mariane que não me escute, mas as vezes eu acho que seria melhor nós três pararmos com isso e aceitarmos que a coisa venha morar conosco logo. Credo, foi só eu dizer isso que a ideia já foi embora.

– Mas eu ouvi hein – disse a Mariane.

– Nem ouse!

– Não mesmo, a coisa é muito sujona. não consigo lidar com ela ainda. Precisamos aprender algumas coisas primeiro.

– É verdade, mas não sei hein, a gente tem as regras já, ela não aceitaria.

– Mas quem já está de saco cheia das regras sou eu! Quem sabe você não fica melhor com a coisa aqui.

– Tá bom Mariane, você ganhou. Não precisa mais olhar todo dia debaixo do tapete pra ser se a chave não está lá. Pode ser só às vezes.

Não sei o que aconteceu muito bem, mas depois desse dia, só sei que Mariane não deixou mais nenhuma chave debaixo do tapetinho, assim como ela também não precisou mais conferir tantas coisas um milhão de vezes. Mas tá tudo bem, algumas coisas precisam acontecer para que outras deixem de acontecer.

Autora: Jéssica Iancoski

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